Por Eduardo do Valle No ar, o aroma. Na pele, o calor. Ao fim, a degustação dos sabores de um blend café feito na hora. Não estamos em uma fazenda, mas em uma esquina da rua Oscar Freire, em São Paulo, em um endereço da rede Santo Grão. Por lá, um workshop chamado Roast Experience transforma amantes de café em mestres de torra, ensinando o processo que transforma o grão in natura na bebida quente mais popular do mundo.
Ao todo, a experiência dura cerca de duas horas, entre uma breve explicação teórica, a degustação de algumas variedades, a escolha dos sabores e o processo prático, em si. A todo o momento, uma especialista da Santo Grão explica e orienta - mas o resultado final é todo feito manualmente pelo aluno.
Café na prática
A convite da Santo Grão, GQ Brasil confeccionou seu próprio blend. Faz sentido que seja justamente lá que se aprende a criação de blends. A marca ficou famosa por sua própria combinação assinada, o Blend Santo Grão, combinação equilibrada das variedades já citadas mais um toque do café de Sul de Minas. Para nós, optamos por uma mistura com 60% da variedade Mogiana, de corpo e aroma pronuncados, e 40% da variedade do Cerrado, marcado pela intensidade e pelo retrogosto.
Logo na chegada somos recebudos por Keiko Sato, barista e especialista com quase 8 anos de experiência na indústria. Imediatamente ela introduz as variedades disponíveis e ensina a técnica do cupping - prova de cafés dedicada a identificação de aromas e sabores, muito usada em processos de análise e venda.
Nela, o café não é filtrado: ao contrário, é posto em contato direto com a água na própria xícara. Após alguns minutos, remove-se os resíduos manualmente para então testar a degustação, um processo pouco usual, que envolve, literalmente, sugar a bebida de pequenas colheres, para aproveitar o máximo do sabor.
A todo momento surgem dúvidas como a proporção exata de pó de café por água (1 parte de café para 10 partes de água); ou qual a temperatura ideal para a água do café (93 °C - ou o momento imediatamente anterior à ebulição). Keiko responde a tudo com despretensão, as explicações compreensíveis mesmo para quem tem tanta intimidade com o tema.
Entender a torra - e como ela afeta o sabor do café que bebemos - fica mais fácil com os sabores originais a tiracolo. Assim fica fácil traduzir o que Keiko afirma quando diz, por exemplo, que a variedade Sul de Minas tem aroma cítrico, leve e doce, que lembra a limões e laranjas; ou que a Cerrado reforça o amargor, com notas de frutas vermelhas conforme a técnica aplicada. Para este bebedor de café, porém, o sabor favorito é o amendoado de Mogiana, puxando para cacau, chocolate e corpo licoroso
A torra, em si
Esclarecidas as características de cada tipo e feita a seleção, passa-se à torra. Aqui retoma-se o conhecimento das aulas de física, com um controle feito, literalmente, por um gráfico. Nele, Keiko aponta os pontos de torra, para os quais se consideram a temperatura da máquina (medida por um inesperado software tecnológico) e a temperatura ambiente do grão.
Com todo o cuidado, despejamos o grão de café in natura na máquina, que inicia o processo de torra. Aqui, o trabalho é absolutamente manual: minuto a minuto, retiramos uma amostra e vamos percebendo as variações previstas por ela mesma, os pontos de torra, os aromas de cada momento e, o mais satisfatório, o grão do café tornando-se progressivamente verde claro, amarelinho e ocre, até converger-se em um majestoso marrom-escuro, de cheiro pronunciado que faz aguar a boca de qualquer bebedor de café.
Ao fim da experiência, um processo rápido de torra seguido ao embalo profissional do blend desejado, não sem antes uma deliciosa etapa de degustação. Nesse momento, todas as memórias afetivas envolvendo café voltam com força - sejam elas das manhãs em família ou, no caso do repórter, da casa dos avós, onde, em uma infância perdida, ouvíamos os adultos fazendo esse mesmo processo, muito antes dos softwares supertecnológicos e das tatuagens de café.
A melhor parte, no entanto, envolve voltar para casa com três quilos do café da mais alta qualidade, torrado e moído pessoalmente, uma sensação de participar e compreender a bebida que se toma. A cada manhã depois disso, tomar café deixa de ser um processo meramente trivial e volta a ser tratado como um ritual, uma experiência rica em aroma, sabor e, agora, em história também.
Roast Experience
Onde? Santo Grão - R. Oscar Freire, 413, Cerqueira César Reservas: cursos@santograo.com.br ou 11 3082-9969