Filho e neto de produtores de café, Gabriel Barruffini, 29, nem imaginava que iria empreender nesse ramo. Mas foi exatamente o que aconteceu.
Ele é o fundador da Veroo, um clube de assinaturas de cafés especiais. Fundada em 2019, em Ribeirão Preto (SP), a empresa conecta pequenos produtores a consumidores, ajudando a democratizar o consumo e a remunerar de forma mais justa os agricultores (deixando os intermediários de fora da transação).
Cafés especiais são aqueles que atingem no mínimo 80 na escala de 100 pontos da Specialty Coffee Association. Hoje, segundo Gabriel, menos de 6% da produção brasileira se enquadra nesta categoria.
Todo mês, o clube da Veroo seleciona um pequeno produtor de uma região do Brasil e entrega um box para o assinante, que escolhe se quer receber o café moído, em grãos ou cápsula. Na caixa vão ainda um mimo e um cartão que dá acesso a uma revista digital, contando a história daquele produtor.
Em pouco mais de dois anos, a Veroo contabiliza mais de 20 mil caixinhas entregues — e a meta é dobrar esse número em 2021.
O INTERESSE EM EMPREENDER NA ÁREA SURGIU EM UM INTERCÂMBIO
Gabriel sempre ouviu do pai e do avô sobre as dificuldades em lidar com o café — e como, no final, o preço pago aos produtores não compensava.
Mesmo sem se envolver no plantio, ele se interessou pelo tema. E decidiu fazer um curso de barista.
Entre 2016 e 2017, durante um intercâmbio em Sydney, na Austrália, surgiu a oportunidade de colocar os aprendizados em prática em cafeterias locais. Lá, Gabriel percebeu como o café era valorizado.:
“A grande virada para mim foi ver que por aqui os produtores vendiam café por 7 reais o quilo, enquanto lá eram 45 dólares, uma discrepância bem grande”
Isso fez o jovem perceber que um grande valor estava sendo absorvido pela cadeia sem chegar ao produtor na ponta.
De volta ao Brasil, Gabriel decidiu empreender uma plataforma para pequenos produtores de cafés especiais exportarem para outros países.
Aquele negócio, batizado de Cofferoo, acabou não vingando.
“Eu não consegui monetizar, pois tinha várias barreiras da exportação e não era meu ramo de atividade”, diz o empreendedor, que estudou Engenharia de Produção por quatro anos, mas abandonou o curso antes do fim.
UMA ACELERAÇÃO AJUDOU A DESCOBRIR QUE CAMINHO SEGUIR
Mesmo com o fim da empresa, Gabriel começou a vender por conta própria os cafés dos empreendedores com quem já tinha feito contato — encurtando o caminho entre os pequenos agricultores e os consumidores finais.
Nessa época, em 2018, ainda com o intuito de empreender, ele se inscreveu numa pré-aceleração da USP de Ribeirão Preto e numa aceleração do Founder Institute:
O pessoal falou que o conceito de abreviar o caminho entre o consumidor e o produtor, garantindo preço justo dos dois lados, era muito legal e que eu devia pensar em como entregar essa proposta de forma criativa”
A partir desse feedback, ele desenhou o projeto de um clube de assinaturas e chamou o designer Rodrigo Saraceni, 27, seu amigo, para fundar o ClubSmile, em março de 2019.
“Foi um nome que adotei na época em que estava vendendo café de forma independente, com a ideia de que a bebida leva sorrisos para as pessoas”, diz Gabriel.
Um ano depois, por uma questão de registro de marca, eles tiveram de rebatizar a empresa. Fizeram uma lista e venceu a sugestão de Rodrigo — Veroo.
“Havia ma história genuína, uma verdade construída por trás do empreendimento”, diz Gabriel. O nome é uma brincadeira com vero, “verdadeiro” em italiano (com um ‘o’ a mais “para dar um tom descolado”).
A VEROO ASSUMIU RISCOS PARA GARANTIR UMA TRANSAÇÃO JUSTA
Um investimento de 40 mil reais — um empréstimo da mãe de Gabriel — ajudou a pôr o negócio de pé. O clube começou seu primeiro mês com 20 assinantes, todos de Ribeirão Preto.
O custo para produzir as cápsulas (encomendadas à Kasulo Brasil) era alto; logo, eles teriam de arrumar mais dinheiro — e rápido.
Em setembro de 2019, após seis entregas mensais do clube e com 140 clientes, os sócios conseguiram um investidor, a BLV Ventures, que aportou 300 mil reais no negócio.
Mesmo com o investimento, os sócios entenderam que o modelo de operação da Veroo — baseado no comércio justo e na proposta de revisar a cadeia de valor do café — traria sempre um bocado de risco envolvido
“Tentamos vender com o preço mais acessível possível para o consumidor final — pagando o máximo ao produtor. Com isso, nossa margem de lucro fica bem enxuta. A Veroo assume esse risco olhando para a transformação que estamos trazendo para o mercado”
No mercado de commodities, diz Gabriel, uma saca de café é vendida, em média, a 700 reais. A Veroo, porém, paga cerca de 50% a mais para o produtor.
“Do lado do consumidor, para acessar cafés especiais em lojas especializadas, ele pagaria o dobro do valor ofertado pelo nosso clube.”
INFORMAÇÕES SOBRE OS PRODUTORES COMPLETAM A EXPERIÊNCIA
Depois de uma pré-seleção, Gabriel visita as propriedades rurais de cada produtor para analisar o café in loco e conhecer os agricultores.
A caixinha de maio da Veroo.
Em pouco mais de dois anos, 27 produtores (do Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e São Paulo, entre outros estados) já tiveram seus produtos enviados nas caixinhas.
É gente como Arnaldo Damião da Silva, de Dom Modesto, distrito de Caratinga, em Minas Gerais. Seu café de 83 pontos (do grão Catuaí Vermelho, com processamento natural) foi a estrela da caixinha de maio de 2021, que trazia como mimo uma goiabada cascão produzida por dona Roseli Fernandes, de Cajuru (SP).
As informações sobre quem produziu (e como) o café de cada mês complementam a experiência do consumidor:
“Além de conferir a história por trás daquele café, o assinante tem acesso a uma playlist relacionada à edição, receitas, dicas, curiosidades e até desafios que propomos aos consumidores para que se aprofundem nesse universo”
Antes, essas histórias eram entregues na forma de um folder impresso. Desde janeiro, com a proposta de gerar menos resíduos, a Veroo passou a enviar apenas um cartão-postal com um resumo e um QR Code, que dá acesso à revista digital.
PARA REDUZIR O VALOR DO FRETE, A VEROO ARCA COM PARTE DO CUSTO
A assinatura da Veroo custa a partir de R$ 24,90 (para o café em grãos ou moído) e R$ 39,90 no caso das cápsulas; os valores se referem às quantidades mínimas: 250 gramas ou 20 cápsulas.
A pandemia trouxe uma série de desafios. A Veroo teve de se desdobrar para segurar sua base de assinantes:
“Apesar do preço acessível, a assinatura não é um item básico — e, num contexto de crise, as pessoas acabam deixando fora de suas prioridades. Para manter os assinantes, decidimos testar, por dois meses, deixar nossa margem de lucro em zero”
Alguns meses depois, em setembro, a empresa abriu a assinatura para clientes de todo o Brasil. Hoje, são 1 500 clientes; o estado de São Paulo ainda responde por 80% da base, mas já há assinantes até no Pará.
Todas as entregas ficam a cargo de uma startup de logística, a Mandaê. Para não perder a competitividade, a Veroo conseguiu zerar o frete para assinantes paulistas e subsidia uma parte do custo para clientes de outros estados.
“O frete é uma barreira para o consumo na internet, por isso criamos uma política de bonificação para quem é de fora de São Paulo”, diz Gabriel, explicando que nesses casos a empresa arca com parte do custo da entrega. “Mesmo assim, tem lugares em que o frete chega a 13 reais.”
EM MEIO À CRISE, A EMPRESA QUADRUPLICOU SEU FATURAMENTO
A empresa conta atualmente com dez colaboradores. Hoje, o conteúdo fica a cargo de uma equipe formada por um jornalista, um cinegrafista e um designer.
Com a Covid-19, o contato com os produtores de café ficou reduzido, por vários meses, ao online. As visitas foram retomadas apenas em maio deste ano, seguindo protocolos de segurança.
“Empreender é sempre muito difícil; num contexto de pandemia, fica ainda pior. Por outro lado, essa situação nos deixou mais fortes. A vida, afinal, é um pouco disso, muitas coisas não estão no nosso controle…”
Os negócios, pelo menos, vão bem. Apesar da oscilação no número de assinantes, a Veroo mais do que quadruplicou o faturamento em 2020, fechando o ano em 270 mil reais. Para 2021, a expectativa é faturar 1 milhão de reais.
A médio prazo, a Veroo quer aumentar sua base de produtores de café e também a capilaridade de sua rede de assinantes, oferecendo um produto mais personalizado:
“A ideia é poder customizar cada vez mais a assinatura, já que o padrão de consumo do café é algo muito singular”, diz Gabriel. “Queremos permitir que, em breve, o assinante misture na caixinha uma remessa de cápsulas com a opção em grãos ou em pó, além de personalizar padrões de torra.”