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Frente fria é fruto da terceira massa gelada vinda dos mares subantárticos


Massas de ar gelado são esperadas no inverno, por óbvio, a época mais fria do ano. Mas em 2021, alguma coisa está fora de ordem, com sequências de ondas particularmente severas. A onda fria que se intensifica a partir desta quarta-feira no Centro-Sul do Brasil marca o clímax até agora — outras podem vir até o fim da estação — de um inverno extremo, como de resto está o clima do planeta este ano.

E o aumento da frequência e da intensidade de extremos, lembram cientistas, são a marca mais evidente das mudanças climáticas. Os extremos devem dominar a próxima cúpula climática, a COP-26, em Glasgow, na Escócia, em novembro. Também são destaque para o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), previsto para agosto.

O frio desta quarta-feira é fruto da terceira massa gelada vinda dos mares subantárticos até o Brasil neste inverno. Haverá temperaturas negativas mínimas no Sudeste e no Sul, onde pode nevar. Não será a bomba de gelo anunciada em redes sociais, com “alertas” de sensação térmica de -25°C. Isso é exagero sem fundamento, já esclareceram meteorologistas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Mas há perigo para as pessoas em situação de rua e para a agropecuária.

O que se destaca desta vez é a chance de as temperaturas chegarem a marcas próximas a zero em lugares onde isso nunca foi registrado ou é raríssimo, explica o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Cemaden.

Entre quinta e sexta, a onda pode deixar próxima de zero graus Celsius a temperatura mínima numa área que vai desde a cidade mais austral da América, a argentina Ushuaia, até São Paulo, afirma Seluchi.

Onda tripla de frio

Também se destaca a sequência de três ondas de frio poderosas. A primeira onda, no fim de junho, percorreu toda a América do Sul. Surgiu no extremo sul da Patagônia, teve potência para cobrir a Amazônia, atravessar a linha do Equador e alcançar o verão do Hemisfério Norte. Atingiu dimensões colossais e trouxe a reboque um inédito e improvável ciclone subtropical em pleno inverno, o Raoni.

A segunda onda, no começo de julho, fez gear no Vale do Paraíba. E a terceira, que se inicia agora, promete fazer o termômetro ficar perto de zero onde isso não costuma ocorrer. Embora seja improvável que neve no ponto mais frio do Brasil, o Parque Nacional do Itatiaia, na Serra da Mantiqueira, devido à falta de umidade — frio haverá de sobra.

Essa massa de ar, gerada nos mares subantárticos (por isso, não é “polar”, como tem sido equivocadamente chamada), se sobressai por avançar com velocidade pelo interior do continente. Isso evita que se aqueça pelo caminho.

A provável causa dessa onda de frio é o que cientistas chamam de inércia da La Niña. Este fenômeno tecnicamente acabou. Mas o Oceano Pacífico ainda está mais frio do que o normal, o que influencia o regime de ventos que transporta as massas frias do Sul para o Norte. Por ora, no entanto, isso não passa de hipótese.

A cientista Claudine Dereczynski, do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que, de fato, em 2021 a queda da temperatura (média, mínima e máxima) neste inverno está muito acentuada em relação às últimas décadas.

Segundo ela, a percepção do frio se intensifica porque desde a década de 1980 ocorre em todo o Brasil um aumento na frequência de extremos quentes e a redução na frequência de dias frios. E a diminuição da frequência de ocorrência dos extremos frios tem ocorrido de forma mais intensa no inverno. Assim, este ano, com uma sequência de três massas particularmente frias chama a atenção.

Seca é preocupação maior

O frio se sobressai num país acostumado com o calor. Pode causar prejuízos, mas é pontual e breve. Um extremo muito mais perigoso que está em curso sem prazo para terminar é a seca severíssima, que ameaça a geração de energia, a agricultura e o abastecimento d’água. O Centro-Sul do país está há oito anos com chuvas abaixo da média, enfatiza Marcelo Seluchi.

Foi um período com ocorrência de La Niña, El Niño e outros fenômenos, mas nada com força para explicar uma seca tão grave. Há ainda importantes mudanças no uso do solo, como a devastação do Cerrado, uma caixa d’água natural, que deu lugar a plantações. Além disso, secas como essas foram previstas nos modelos das consequências das mudanças climáticas.

— A atmosfera funciona como uma panela de pressão. Quanto mais calor, maior o desequilíbrio. Esse desequilíbrio pode se manifestar tanto com extremos de frio quanto de calor, de chuva e de seca — diz Marcelo Seluchi.

Fonte: O Globo

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