Por Fernanda Teodoro Arantes A contribuição para o salário-educação - FNDE, no percentual de 2,5% incidente sobre a folha de salário, é devida pelas empresas e não pode ser cobrada das pessoas físicas, conforme disciplina o artigo 212, parágrafo 5º, da Constituição Federal e o artigo 15 da Lei nº 9.424/96, regulamentada pelo Decreto nº 3.142/99, alterado pelo Decreto nº 6.003/2006.
Entretanto, a Receita Federal vem exigindo dos produtores rurais pessoas físicas e dos consórcios de produtores rurais, indevidamente, com base no Anexo IV da Instrução Normativa (IN) nº 971/2009, atualmente alterada pela IN nº 2110 de 2022, publicada em 19 de outubro, cuja obrigação encontra-se no anexo V.
Produtores rurais pessoas físicas com ou sem registro no CNPJ não estão obrigados ao recolhimento da contribuição
Tal exigência é abusiva e em desconformidade com a legislação que disciplina tal exigência, extrapola seu limite regulamentador ao criar hipótese de incidência não prevista em lei. Isso porque o produtor rural pessoa física que não possui registro na junta comercial e com ou sem cadastro no CNPJ não se enquadra no conceito de empresa, motivo pelo qual não pode ser compelido a arcar com a contribuição para o salário-educação, bem como o consórcio simplificado de produtores rurais.
Inclusive, com relação ao produtor rural pessoa física sem registro no CNPJ, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se pronunciou pela sua não incidência, nos termos do REsp 1743901/SP. O mesmo ocorre para os produtores rurais pessoas físicas organizadas em consórcio simplificado de produtores rurais, que são equiparados às pessoas físicas, conforme dispõe a IN nº 2110/22, artigo 146, XIX, “b”.
O cadastro no CNPJ dos consórcios simplificados de produtores rurais não descaracteriza a sua condição de pessoa física para fins de incidência do FNDE, nos termos do artigo 25-A da Lei nº 8.212/91. O cadastro é mera formalidade imposta pela Receita Federal desde 2011 aos consórcios simplificados de produtores rurais, em decorrência da IN nº 1.210/11, que deu nova redação à IN nº 1.183/2011. Atualmente tal exigência se verifica no artigo 4º, IV, da IN nº 1863/18.
Essa obrigatoriedade do cadastro no CNPJ também se vê no Estado de São Paulo, para os produtores rurais pessoas físicas, nos termos da Portaria CAT n° 117/10, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
Em ambas as situações, se verifica a inscrição no cadastro do CNPJ como obrigatoriedade para fins fiscais, o que não tem o condão de desconstituir a natureza de empregador rural pessoa física. Ou seja, mesmo com o cadastro no CNPJ, o produtor rural não perde a condição de pessoa física, ficam inscritos no código de natureza jurídica 408-1, que se refere à forma de contribuinte individual.
Nesse sentido, também segue a jurisprudência dos tribunais regionais federais (TRFs) da 1ª Região (apelação cível nº 0048001-79.2013.4.01.3400), da 3ª Região (apelação cível nº 1775399 0000765- 64.2010.4.03.6122) e da 4ª Região (apelação cível nº 5000720-04.2013.404.7104).
Inclusive, recentemente, em março de 2021, o ministro Francisco Falcão tratou do assunto em decisão monocrática nos autos do REsp nº 1813407/RS, mantendo a decisão recorrida para reconhecer que não se caracteriza atividade empresarial o consórcio simplificado de produtores rurais resultante da união dos produtores rurais que o compõem, pois essa reunião não implica perda da individualidade dos consorciados.
Veja-se que o STJ afastou a contribuição do salário-educação exatamente sob o argumento de que não é o CNPJ que caracteriza a empresa. A exigência do CNPJ é uma imposição de caráter meramente burocrático. No caso do consórcio de produtores rurais, tal exigência ocorre em decorrência da IN nº 1.210/11 e, no Estado de São Paulo, para os produtores pessoas físicas, na Portaria CAT n° 117/10.
Ou seja, o simples fato do produtor rural possuir inscrição no CNPJ não tem o condão de caracterizá-lo como empresário, trata-se apenas de uma formalidade exigida para fins de fiscalização. Inclusive, a indicação do produtor rural como contribuinte individual é um reforço nessa direção.
O Superior Tribunal de Justiça também reforça o entendimento de que o produtor rural pessoa física não se enquadra na condição de empresa. A 4ª Turma, em julgamento aos embargos de declaração opostos pelo Banco do Brasil, em face do acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.800.032-MT, manteve o entendimento de possibilidade de recuperação judicial de produtor rural, englobando o período em que o produtor não tinha registro na Junta Comercial.
Inclusive, o produtor rural não é empresário sujeito a registro, a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis é facultativa, nos termos do artigo 971 do Código Civil.
Assim, tanto os produtores rurais pessoas físicas sem registro no CNPJ quanto com registro no CNPJ, inclusive o consórcio de produtores rurais pessoas físicas, não estão obrigados ao recolhimento da contribuição para o salário-educação - FNDE.
Para aqueles produtores que ainda fazem o recolhimento dessa contribuição, por exigência indevida da Receita Federal presente no Anexo IV da IN nº 971/2009, atual Anexo V da IN nº 2110 de 2022, aconselho a imediata providência judicial para afastar tal exigência e garantir o direito ao não recolhimento futuro, bem como a restituição/ressarcimento dos recolhimentos realizados nos últimos 5 anos com as devidas correções.
Fernanda Teodoro Arantes é mestre em direito tributário pela PUC/SP, especialista e professora pelo IBET/SP, ex-juíza do TIT/SP, ex-conselheira do CMT e coordenadora tributária no Mandaliti
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