Em cartaz, no Cine Petrobras, ‘Não vale a pena ver de novo’
Por Nelson Niero, Valor — São Paulo
O espetáculo rocambolesco proporcionado pelo governo e o comando da Petrobras nos últimos dias na questão de dividendos tem roteiro ruim e conhecido
Quando a cobertura jornalística de uma empresa sai da área econômica para a de política não há muito o que fazer para quem está acostumado a analisar o mundo dos negócios com base nas leis societárias, nas regras de governança e nos modelos de gestão aprovados pelo uso. É sentar e assistir com a firme sensação de que esse filme não vale a pena ver de novo.
O espetáculo rocambolesco proporcionado pelo governo e o comando da Petrobras nos últimos dias na questão de dividendos tem roteiro ruim e conhecido. É o remake da velha história da confusão entre poder público e interesses privados, porque, como é amplamente sabido e repetido, a petroleira é uma companhia de economia mista, tem investidores privados nacionais e estrangeiros, tanto de grande porte como pessoas físicas. É a maior empresa da bolsa, como um peso desproporcionalmente alto nos seus principais índices. Qualquer movimento brusco mexe não só com investidores da companhia, mas com todo o mercado. Tudo isso é público e notório.
Muito bom seria se a empresa, com o apoio de seu acionista controlador, seguisse seus pares e aproveitasse para produzir petróleo enquanto é permitido, pagando impostos e dividendos. Supostamente a área econômica quer que assim seja para ajudar a fechar as contas. Outra parte do governo de coalizão em colisão quer “investimentos”, oportunidades de negócios, planos mirabolantes de indução do desenvolvimento.
Entre os atores principais do drama, o presidente da República faz as vezes de dono da empresa, enquanto o ministro das Minas e Energia também quer mandar e o da Casa Civil dá seus pitacos. Enquanto isso, o presidente da empresa balança no cargo e, num “twist plot”, apresenta planos de U$ 80 bilhões para construir navios. “O resto é espuma”, diz, num momento de quase poesia.
A trama é difícil de acompanhar. Notícias, em meio ao tiroteio entre o Palácio do Planalto, a Esplanada dos Ministérios e a Avenida do Chile, no centro do Rio, dão conta que a ordem para suspender o pagamento partiu do presidente da República. Não é isso, diz outra versão, ele foi “induzido a erro” por maus conselheiros. Tudo isso com a bolsa aberta para proporcionar aos bons traders do mercado um mar de oportunidades.
Não vai pagar dividendos. A ação despenca. Não, pode ser que pague. A ação sobe. Não, espere. Virou. O presidente da República acaba de comparar em TV aberta, o mercado acionário a “um rinoceronte, um dinossauro voraz”, enquanto dizia que a Petrobras não tem que pensar só nos acionistas, mas em investimento e em 200 milhões de brasileiros (o petróleo é nosso, de novo). Não, nem o roteirista nem o filme correm o menor risco de ganhar o Oscar.