Os invernos devem ser cada vez mais secos no Brasil Central no futuro
Por Luiz Felippe
As chuvas lentamente estão voltando a se estabelecer no Brasil Central. A previsão dos principais modelos climáticos é que devemos ter um final de primavera e um verão com chuvas próximas ou ligeiramente acima da média, entre as regiões Sudeste e Centro-Oeste. Esta notícia é para ser comemorada, porque esta condição encerra um dos períodos secos mais críticos que a região já viveu! De acordo com pesquisas recentes divulgadas pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN), em 2024 tivemos a seca mais intensa dos últimos 70 anos.
A seca é definida como um período no qual a disponibilidade de água é reduzida significativamente, e a demanda por este element essencial não é atendida. Ela ocorre principalmente pela diminuição da quantidade de chuva de uma região, mas também pode ser afetada pelo aumento da temperatura e da evaporação da água disponível no solo.
Seca é um dos mais graves desastres naturais, pois seus impactos socio-economicos são muito amplos no tempo e no espaço. Quanto mais tempo a seca dura, e quanto maior a área que ela abrange, mais afetadas são as pessoas e suas atividades (agricultura, energia elétrica, disponibilidade de água em reservatórios, etc.)
Devido à sua grande importância, este fenômeno é extensivamente estudado pelos meteorologistas. As causas e o desenvolvimento das secas são um assunto bastante complexo, mas podemos resumir que a diminuição persistente das chuvas no Brasil Central ocorre por conta das mudanças da temperatura da superfície do mar (TSM) em regiões distintas do planeta!
Quando a TSM fica muito quente em certas regiões do oceano, isso propiciam a formação de tempestades locais, e estas tempestades perturbam a atmosfera, criando ondas. O efeito é análogo a atirar uma pedra em um lago: as tempestades são como a pedra, e a perturbação que elas fazem na atmosfera são como as ondas que se propagam a partir de onde a pedra é jogada. No caso das perturbações atmosféricas, estas "ondas" correspondem a centros de altas e baixas pressões, de grande dimensão e que se propagam pra lugares distantes. Esses centros de pressão podem modificar o clima daquela região, bem longe de onde a perturbação foi gerada (ou seja, bem longe da região de anomalia de TSM). A este fenômeno, os meteorologistas dão o nome de "teleconexão".
O complicado mecanismo climático das secas
As chuvas diminuem drasticamente no Brasil Central devido a duas condições principais: o estabelecimento de uma alta pressão intensa e persistente sobre a região e a configuração e um padrão de bloqueio no Pacífico Leste. Tanto a alta pressão sobre o Brasil como o bloqueio no Pacífico são centros de pressão que se originam de anomalias de TSM, ou seja, representam teleconexões.
As quatro principais regiões nas quais a TSM influencia o Brasil Central são o oeste do Pacífico, a região do El Niño Oscilação Sul, o oceano Índico e o Atlântico Tropical e Norte (regiões circuladas em preto no na figura acima). Quando a TSM está mais alta que a média no oeste do Pacífico (perto da Austrália) e no Atlântico, mais baixa que a media no Pacífico equatorial (configurando condição de La Niña), e mais baixa no leste do Índico do que no oeste (indicado pelas letras F e Q na figura acima), formam-se perturbações, que chamamos de "trens de onda", como as ondas do lago onde jogamos a pedra, que resultam numa alta pressão persistente sobre o sudeste da América do Sul, propiciando a condição de seca no Brasil Central.
O sistema climático é extremamente complexo, e claro que este cenário é apenas uma descrição geral. Até porque outros fenômenos climáticos, como a Oscilação de Madden-Julian e a Oscilação Antártica, e as interações entre a atmosfera, a vegetação e o solo, são fatores que podem modular e modificar as condições gerais dadas pelas teleconexões.
Como serão as secas no contexto futuro de mudanças climáticas
Estamos atualmente com a impressão de que os períodos secos estão aumentando em várias regiões do país, e isto é verdade. Já existem, na literatura, muitos estudos mostrando que as condições de seca já vêm se agravando em grande parte da América do Sul. Isto se deve ao aquecimento global, que modifica a maneira como os oceanos se aquecem e resfriam, e também pode modificar a maneira como as teleconexões se propagam pelo planeta.
Em estudo recente publicado na revista Nature, pesquisadores mostraram que quase toda a América do Sul se tornou um lugar mais quente e mais seco, na comparação entre as décadas de 1971-2000 e 2001-2022, como pode ser visto na imagem acima. Destaca-se a intensidade destas mudanças no Brasil Central, entre as regiões Norte e Nordeste, no oeste da Argentina, e na Colômbia.
E a análise destes efeitos futuros torna-se ainda mais complexo quando pensamos que, em escala local, diferentes efeitos podem ser observados. No estado de São Paulo, por exemplo, o aumento da estiagem não é uma regra geral - e sim varia conforme a estação do ano e o local do estado!
Projeções climáticas para o final do século (2080-2100) indicam que o número de dias secos em São Paulo, durante o verão, deve diminuir. Ou seja, as chuvas devem ficar mais frequentes no período entre dezembro e fevereiro. Em contraste, durante o inverno (junho a agosto), o número de dias secos tende a aumentar bastante no centro, oeste e norte do estado, indicando um agravamento das secas durante o inverno. Mas este efeito não é generalizado: no mesmo período, de inverno, as chuvas tendem a aumentar a frequência no sul e leste do estado, nas próximas décadas.
Estes estudos evidenciam a grande complexidade do funcionamento dos extremos climáticos de chuva e seca, ilustrando um pouco a grande missão dos cientistas em entender estes fenômenos tão importantes para a sociedade. Aqui na Meteored|Tempo.com, você pode acompanhar os principais avanços nas pesquisas sobre o clima, e também as previsões atualizadas para as próximas semanas e meses